25.5.08

porque são paulo inteira cabe em seus olhos (e eu amo são paulo)

você e eu, eu e você, eu te esperando sentado na escadaria do teatro municipal, pensando se devo ou não fumar um cigarro nesse meio tempo, se devo sentar assim ou assado, se meu cabelo parece suficientemente bonito, mas acho que não, não devo fumar porque sei que você não gosta, e aposto que você não vai reparar no meu modo de sentar, nesses cachos que começam a se espalhar de novo na minha cabeça, e principalmente nessa camisa verde que - eu não sabia, eu nunca sei - que você ainda havia de abraçar tanto. eu te encontro e seu rosto, esse seu sorriso desenhado por esses lábios 'pequenos e carnosos', essa sua pólo verde que delineia seu pescoço, tudo isso me faz ficar meio besta e dizer apenas ''sua magrela desajeitada'' - mas eu sei que foi o insulto mais belo que você ouviu. e então somos eu e você andando por aquelas ruas centenárias, aqueles prédios onde tanta gente já declarou amor ou pulou por suicídio...

a galeria olido se abre p'ra nós dois que ficamos sentados esperando o filme começar, e, quando começa, a sala é tão escura, as pessoas são tão escuras e a única não-escuridão é o vermelho meio morto das lâmpadas, e o filme é preto & branco, e eu sou meio preto & branco também, mas você não, você que me diz ''eu te amo'' em meu ouvido quando eu esperava algo como ''o cara da fila da frente está dormindo'', você não, você não é essa escuridão, você é verde, uma luz de néon verde que faz meus olhos ficarem embriagados e embebidos em lágrimas. no meio de tanto cinza e tantos prédios, ao nosso redor os mendigos e os preocupados, em meu peito tanta angústia, mas ainda sobra tempo & espaço para ficarmos abraçados e beijarmo-nos quando chegarmos ao consenso de que devemos fazê-lo, e seu braço, seus braços, meu joelho, essas suas mãos que ficam suadas, esses nossos suores que se misturam tão violentos & ternos, e você me diz que me ama depois de tantos eu te amos que eu deixei escapar por minha boca mais ou menos no mesmo estado que me encontro agora, esse estado em que você me deixa esperando sempre por você, por seus olhos grandes

porque são paulo inteira cabe em seus olhos e eu amo são paulo

debaixo de um viaduto grande e belo - você me pergunta qual é: viaduto santa efigênia - nos abraçamos e você vai, você vai no ônibus sozinha, eu distante de você mas você cada vez mais perto, perto o suficiente para estar comigo quando chego na rodoviária e espero, espero a carona que não vem e me deixa com mais tempo para pensar em você.

eu te amo e sei que vou te amar, cada vez mais perto apesar de tão longe, cada vez mais demoradamente apesar de tão breve, cada vez mais profundamente apesar de tão sutil; sei que suas mãos vão tocar as minhas por horas a fio, elas que se encaixam tão bem, elas que se movem gentilmente por nossos ombros, que nos apertam em um abraço, que se confundem em nossos beijos, e você, você e eu, eu e você, eu ainda esperarei tempo o suficiente em escadarias e galerias e prédios e teatros e viadutos e tudo mais que for preciso, desde que seja para olhar nos teus olhos e contemplar a profundidade de um milhão de amores, sabores e frescores que ainda iremos viver juntos

porque são paulo inteira cabe em seus olhos e eu amo são paulo.

2.5.08

felipe

felipe surdo mudo
menino branquinho
bochechas bem grandes
tão lindo que até dói dizer
descansa no retrato há quinze anos
ainda com os olhos grandes
ainda com dentes abertos num sorriso
ainda com cabelinho preto na testa
podia não ter morrido
de pneumonia aos três anos
podia estar comigo
e passear na paulista
podia ser mais que o retrato na parede
mas ainda é só
felipe surdo mudo
felipe meu irmão