19.3.08

de não voltares logo à beira de asfalto, prédios e carros de toda a parte do país

não, não volte logo, por favor, não volte logo; não enquanto você ainda estiver dançando na frente dos meus olhos, valseando com os pés vermelhos e pontiagudos de sua sapatilha de couro, os cabelos longos voando, voando como voam os seus olhos para os meus, e esse sorriso que se abre e se esparrama pelo meu rosto, me cobre de um calor repentino, e o seu dançar já me faz dançar com os olhos, me faz ficar vesgo, faz com que eu me perca no meio daquelas escadarias na mesma avenida de sempre em que finalmente pudemos nos abraçar e fechar os olhos para o mundo, e seus lábios cada vez mais quentes, cada vez mais ligados aos meus, como que estabelecendo um êxtase entre os dois, como se fossem dois peixes que nadassem no oceano procurando o entrelaçar perfeito entre eles, e aí se não me engano seria a parte da história em que eu começaria a perguntar mentalmente como tudo tinha acabado assim, como um beijo roubado na frente de um restaurante vagabundo às oito da noite poderia causar tantos calafrios ao mesmo tempo, poderia jorrar fluxos de reflexões por nossos olhos como rios, faria com que minha mente começasse a pular como pula agora, querendo de qualquer maneira fugir daquele crânio que a aprisionava, aquela cabeça que já não podia ser a mesma, porque já não mais pensava como antes e

10.3.08

manifesto dos que esperam e sentem saudades



atb, 10.03.08


há algumas dez ou doze ou vinte e quatro horas ou um pouco mais eu estava longe fisica e principalmente mentalmente tão distante daqui, dessas teclas que se debatem silenciosamente, eu deitado ao lado da boca de uma estação de metrô que se abre na ponta da enorme calçada da maior avenida da américa do sul ou talvez da américa latina (talvez no méxico exista uma maior), ébrio com a cabeça esguichando vodca pelas orelhas e o coração engolindo longos goles da brisa gelada que me abria os olhos e me fazia abraçar quem estava ao meu lado enquanto sorria, sorria como não sorria desde muito muito tempo atrás, e num instante de inspiração amalucada comecei a recitar repentinamente poemas tão longos e tão doidos que jamais fariam sentido se fossem escritos ou lidos, só tiveram significado durante aqueles minutos em que o mundo cabia nos meus braços, no rapaz meu amigo que apoiava a cabeça sonolenta no meu ombro e na garota furacão agitadamente epilética que me passava a mão pelas costas; ali, minha maior busca era procurar um pouco mais de poesia derretendo pelos prédios enormes que nos circundavam - talvez o maior poema seja imaginar que o homem pôde construir tamanhos colossos -, abri os olhos e as estrelas me espiavam, eu na av. paulista mais iluminada de são paulo, e um edifício simétrico com janelas espelhadas me encarava com seriedade.

se me permitisse filosofar aqui seria suficientemente intelectual para os que querem ler e discutir literatura em restaurantes tomando café com chocolate, mas isso não seria espontâneo, prefiro descrever o final de semana, dizer o quanto eu bebi no gargalo - na jarra - toda a água do mundo, toda a vida do planeta, porque sexta-feira cantei canções de quarenta anos no meio do anfiteatro que estava abandonado às moscas (nem às moscas, estava frio, insetos não saem p'ra passear no frio, preferem ficar em suas tocas assistindo televisão), ninguém vai a esses lugares à noite, mas tive essa experiência com alguns dos melhores amigos que é possível encontrar no meio de toda essa gente, e meu prazer foi abraçá-los todos e pensar que ali estava eu, que eu conseguia me encontrar finalmente no meio daquelas respirações ofegantes (tínhamos corrido); no sábado ocorreu o já citado episódio na saída da estação de metrô entre outras coisas que em breve devem ser tratadas com mais cuidado - agüente só mais um ou dois parágrafos -, no domingo acordei ao lado do cara que me acompanhou na noite mais louca que é possível viver com menos de cinqüenta reais, noite cheia de doses de vodka tomadas de um gole só apenas por curtição, quando era aceitável sair correndo do restaurante que estávamos a uma da madrugada e ir ao show suburbano de rock na rua de cima, cantar beatles e punk rock com desconhecidos e uma banda ruim até alguém dizer você canta mal e me jogar fora do palco - com gentileza, devo acrescentar -, para depois voltar ao restaurante e encontrar velhos de sessenta anos que tocam violão e cantam (adivinhe) beatles, cantar com eles e depois de alguns goles de não sei o quê dizer o quanto a geração deles foi melhor que a minha, e por falar nisso agora me lembro que um deles me estendeu o dedo quando ia embora e disse com classe: você vai longe - não foi um elogio propriamente considerável levando em conta o nosso estado de sanidade no momento, mas ainda assim talvez seja profético, não que eu vá fazer sucesso e ser um ator famoso que foge de papparazzi, não, não isso, mas pode ser que ele estivesse tentando me dizer que nós todos iremos onde ninguém foi simples e exclusivamente porque é assim que tem que ser, deveríamos todos viver nossas vidas de maneira diferente das dos outros.

mas voltando ao ocorrido do sábado, na avenida: o motivo principal de minha iluminação fajuta momentânea não foi o álcool nem foram os cigarros, foi o fato de que eu falei com ela pelo celular, ela que foi o motivo de todo esse final de semana, que não pôde me encontrar e intencionalmente ou não fez com que eu fosse para a tal estação de metrô. falei com ela e entre pedidos de desculpa por não ter ido - foi a chuva, foi tudo isso, tentou me ligar e não conseguiu -, em algum momento as palavras escorreram da minha boca sem querer, eu te amo, eu te amo, e depois de uma eterna espera de uns dois segundos ela respondeu eu também, provavelmente não de todo sincero, foi uma resposta seguida de 'eu não sei o que dizer' mas não era preciso dizer mais nada, a língua portuguesa tinha me pregado uma peça e eu falei, falei sem querer, e diante da réplica dela, que poderia ter dito desculpe mas eu 'tô pouco me fodendo p'ro teu rabo, mas foi eu também, o êxtase me deu um tapa na cara e fez com que eu abrisse os olhos, como se deus me dissesse aí está, essa é a resposta para as perguntas que você fez nos últimos meses, vale a pena viver sim, só não espere demais da vida, aproveite os elogios e engula os insultos como se fossem açúcar, porque tu há de se lembrar deles daqui a alguns anos e isso vai te trazer memórias bonitas ou no mínimo saudosas.