Sonho que se sonha só
Passando por esses pontos eu penso que eu sei, sim, eu sei, ando pensando demais nos ônibus e no tempo que passo dentro deles, mas não há escapatória desse ponto de vista, eu sempre encontro resposta para reflexão enquanto passam esses carros ali pela janela, e para mim são só umas latas ajaneladas com rodas, não me incomoda sua velocidade nem o que aquelas pessoas falam dentro deles, e talvez seja assim o mundo, talvez sejamos um pouco como um passageiro afundado num banco a ver o mundo passar rápido por um retângulo de vidro, e vemos aquilo tudo como quem assiste um filme, sabendo todos os fatos sem poder interferir em nada, e só podemos descer do ônibus uma vez por viagem; ocasionalmente, porém, acontece de algum conhecido entrar no ônibus, e mesmo que ele não lhe cumprimente, quando ele desce você o vê acenando para a cobradora e pensa que segurou aquela mão, agora há pouco ela estava ali repousada por um instante na maciez dos seus dedos, e é inevitável, você olha para sua mão e pergunta se ela também não faz parte daquele mundo ali fora, se outros não lhe vêem como se você fosse algo em que não pudesse interferir, um universo fechado dentro de um quarto escuro.
Porque toda vez eu saio com um cigarro preso na boca, estou fumando cada vez mais sem segurar o cigarro, sei que isso vai foder meu nariz com a fumaça, mas foda-se também, saio toda vez com uma futura fodição no nariz, e então imagino que sair para ruas atibaienses talvez não seja a melhor forma de aproveitar a vida, talvez eu me engane ao procurar algum conforto em um colo feminino buscando assim um pouco de satisfação, quem sabe eu não possa estar fazendo tudo errado; o engraçado, porém, é que continuo a sair o maior número de vezes possível, tento, cada vez mais, fazer isso tudo valer a pena, e agora percebo que é isso, minha vida é uma incansável busca à valência da própria vida, e então aturo todo final de semana uma loira me dizendo o quanto sou grosso, uma cerveja descendo a meu estômago desagradavelmente, um sorriso amigo que sei ser falso, mas não perco a esperança, não, jamais: tento, hoje e sempre, sei que sempre, encontrar algo em que eu possa finalmente repousar as mãos e dizer consegui, estou aqui e essa noite foi incrível, fui amado, ri sinceramente, mas ainda não – continuo, espero, porém.
Tenho me acostumado a fumar escondido, obviamente por prever a reação óbvia de meu pai ao descobrir que fumo, seu rosto se tornando vermelho e sua boca abaixando um pouco de lugar, e aí começa a cuspir palavras como quem cospe sem parar para tirar catarro, mas não é catarro que está preso nele, é raiva; tenho medo disso, acho, medo de isso acontecer, e por isso prefiro fumar escondido, mas nem cogito a idéia de que ele possa desconfiar que eu vá demais à torre da caixa d’água só apreciar a paisagem, e aí fico meio abestalhado com isso tudo, pensando que ele sabe que eu fumo mas não quer dizer, então passo mesmo a fumar escondido, chegando ao ponto de fumar escondido de quem sei que fuma, que sabe que fumo ou que até fuma comigo, esses dias me escondi da professora da matemática dentro da igreja ao lado do colégio com um Carlton na boca, tudo para que ela não me visse a chupar um filtro, mas não havia motivo, e, enfim, descubro que meu ideal de que não há motivo nas coisas que faço se aplica até para esses acontecimentos cotidianos estúpidos, que não se igualam nem de longe à explosão de uma estrela.
Uma tentativa de ligar uns aos outros esse amontoado de pensamentos desconexos se firma na minha cabeça e novamente me mostra que nem pensar tem mais sua valência, sendo que até esse ato se torna desorganizado e sujo, mal feito, e minhas pálpebras de repente começam a ficar pesadas, e em vez de eu prestar atenção na cobradora que diz tudo bem ao bêbado que não tem os cinquenta centavos restantes da passagem eu presto atenção nos meus cílios, posso vê-los descendo e os imagino cobrindo meus olhos, imagino meus lábios se abrindo de leve e se deitando de lado, meus ombros ficando p’ra trás, me vejo adormecer calmamente, mas ainda estou com as pupilas à vista, e de repente todos os barulhos somem e alguma música toca aqui, um som calmo e melódico transborda por meus ouvidos, não faço idéia do que seja, mas é confortável, mais reconfortante do que as pessoas que vão rir de mim ao virem um magrelo jogado no primeiro banco de um ônibus de boca aberta, e esses nunca pensarão que tudo que peço é sucesso numa busca pelo sentido da vida, mas não encontro, nunca, tudo que consigo são todos valores igualmente desligados uns a uns, e nunca um espaço para amor ou para sorrisos, que ficam cada vez mais pertos de serem lendas como tantas que já ouvi; fecho os olhos.
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Nota: o título desse texto é um verso da canção "Prelúdio", de Raul Seixas, do disco Gita.
Porque toda vez eu saio com um cigarro preso na boca, estou fumando cada vez mais sem segurar o cigarro, sei que isso vai foder meu nariz com a fumaça, mas foda-se também, saio toda vez com uma futura fodição no nariz, e então imagino que sair para ruas atibaienses talvez não seja a melhor forma de aproveitar a vida, talvez eu me engane ao procurar algum conforto em um colo feminino buscando assim um pouco de satisfação, quem sabe eu não possa estar fazendo tudo errado; o engraçado, porém, é que continuo a sair o maior número de vezes possível, tento, cada vez mais, fazer isso tudo valer a pena, e agora percebo que é isso, minha vida é uma incansável busca à valência da própria vida, e então aturo todo final de semana uma loira me dizendo o quanto sou grosso, uma cerveja descendo a meu estômago desagradavelmente, um sorriso amigo que sei ser falso, mas não perco a esperança, não, jamais: tento, hoje e sempre, sei que sempre, encontrar algo em que eu possa finalmente repousar as mãos e dizer consegui, estou aqui e essa noite foi incrível, fui amado, ri sinceramente, mas ainda não – continuo, espero, porém.
Tenho me acostumado a fumar escondido, obviamente por prever a reação óbvia de meu pai ao descobrir que fumo, seu rosto se tornando vermelho e sua boca abaixando um pouco de lugar, e aí começa a cuspir palavras como quem cospe sem parar para tirar catarro, mas não é catarro que está preso nele, é raiva; tenho medo disso, acho, medo de isso acontecer, e por isso prefiro fumar escondido, mas nem cogito a idéia de que ele possa desconfiar que eu vá demais à torre da caixa d’água só apreciar a paisagem, e aí fico meio abestalhado com isso tudo, pensando que ele sabe que eu fumo mas não quer dizer, então passo mesmo a fumar escondido, chegando ao ponto de fumar escondido de quem sei que fuma, que sabe que fumo ou que até fuma comigo, esses dias me escondi da professora da matemática dentro da igreja ao lado do colégio com um Carlton na boca, tudo para que ela não me visse a chupar um filtro, mas não havia motivo, e, enfim, descubro que meu ideal de que não há motivo nas coisas que faço se aplica até para esses acontecimentos cotidianos estúpidos, que não se igualam nem de longe à explosão de uma estrela.
Uma tentativa de ligar uns aos outros esse amontoado de pensamentos desconexos se firma na minha cabeça e novamente me mostra que nem pensar tem mais sua valência, sendo que até esse ato se torna desorganizado e sujo, mal feito, e minhas pálpebras de repente começam a ficar pesadas, e em vez de eu prestar atenção na cobradora que diz tudo bem ao bêbado que não tem os cinquenta centavos restantes da passagem eu presto atenção nos meus cílios, posso vê-los descendo e os imagino cobrindo meus olhos, imagino meus lábios se abrindo de leve e se deitando de lado, meus ombros ficando p’ra trás, me vejo adormecer calmamente, mas ainda estou com as pupilas à vista, e de repente todos os barulhos somem e alguma música toca aqui, um som calmo e melódico transborda por meus ouvidos, não faço idéia do que seja, mas é confortável, mais reconfortante do que as pessoas que vão rir de mim ao virem um magrelo jogado no primeiro banco de um ônibus de boca aberta, e esses nunca pensarão que tudo que peço é sucesso numa busca pelo sentido da vida, mas não encontro, nunca, tudo que consigo são todos valores igualmente desligados uns a uns, e nunca um espaço para amor ou para sorrisos, que ficam cada vez mais pertos de serem lendas como tantas que já ouvi; fecho os olhos.
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Nota: o título desse texto é um verso da canção "Prelúdio", de Raul Seixas, do disco Gita.
6 Comentários:
É, meu amigo... Eu absolutamente sem palavras. Teu texto me provocou um arrepio, coisa que só as obras mais tocantes que já vi/li/etc causaram em mim. Um texto frio como o mundo. Gostei da questão do ônibus... Também tenho minhas teses sobre as relações humanas nesse coletivo.
Bom, de resto já falei pelo MSN.
Grande abraço e continue com a soberba escrita!
Cara, seu texto não é bonito, não é fofo e não é lindimais.
Mas, cara, isso é fodíssimo. E embora eu saiba exatamente - tudo bem, sei alguma boa parte - disso tudo, sinto que se eu lhe dissesse alguma coisa sobre seu texto, estaria enganando não só a você, mas a mim.
Talvez a vida não tenha sentido, mesmo. Talvez buscar algum sentido nela seja algo assim insano, mesmo. Ou não.
E aí, Gabriel? Bão, meu velho?
Tô passando aqui pra te avisar que te convidei pra um desafio lá no Blog. Espero que goste e participe.
Forte abraço e um ótimo final de semana.
Eu sou burro.
Não entendo, mas acho bom.
"Quebre logo esse vidro."
Eu não entendo e digo isso.
Eu sou burro.
P*rra, quando é que você vai postar aqui de novo?!
Gabo! Volte com o canetagens! :)
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