entre umas e outras a batida o choque o corte a amputação e quem sabe a morte
meu amigo morreu esses dias
amigo de bebedeira que foi atropelado bêbado 23 anos na rodovia fernão dias de madrugada seu corpo foi registrado no iml e alguns amigos iam reconhecer o cadáver mas conseguiram contatar o pai e o irmão antes disso e o pai descobriu a morte do filho no dia que o filho iria ser enterrado, mal deu tempo de passar no dito necrotério e reconhecer p'ra dizer que sim, aquele ali era aquilo mesmo, aquele ali tinha sido 23 anos atrás um espermatozóide em sua bolsa escrotal e isso lhe dava o direito pleno de ser a pessoa que deveria estar ali velando os olhos do morto em seu leito de morte fedido e congelado, mas não nós, nós não poderíamos porque nós afinal de contas só bebíamos com ele que morreu e depois de morto foi alvo de piadas sutis e amigáveis que todos nós usamos para esconder a dor - a dor terrível que se abateu sobre nós de forma tão terrível quanto inédita - nós que somos jovens e não conhecíamos a morte e de repente pudemos tocá-la numa tarde quente, a morte deitada num pedaço de madeira - caixão - completamente coberta de flores escondida no corpo daquele que uma semana atrás - p'ra não dizer alguns dias atrás - estava conosco procurando a galera para se afogar em garrafas de refrigerante barato com corote barato (um drink de dois litros que não custava mais que três ou quatro reais) e essa foi a razão de sua morte - numa dessas noites em que qualquer um de nós poderia estar e talvez realmente estivesse bêbado ele foi pego por um motorista desprevenido ou igualmente bêbado ou incauto ou completamente sem culpa e as rodas de seu carro - um ford ka, um toyota corolla, um chevrolet celta, um honda civic, nunca saberemos -, as rodas de seu carro passaram rudemente por sua perna, a perna que esteve ali o tempo todo junto com nossas pernas andando em busca de diversão, e, ocasionalmente - digo, absolutamente todas as vezes - álcool.
eu e todos nós andamos morrendo esses dias
morrendo o tempo todo para renascermos de novo, morrendo à noite quando botamos nossas cabeças nos travesseiros (de penas de ganso, de espuma sintética, de algodão, de papelão, de papel) e pensamos no dia que se foi e no dia que invariavelmente teremos que enfrentar no dia seguinte a despeito de toda essa encheção de saco que é trabalhar & suar & estudar, um dos dois ou os dois ao mesmo tempo, ou então arranjar briga com alguém ou discutir 0u encontrar alguém que guarda um rancor recíproco de você, ou quem sabe todas essas putarias em geral que a vida inventa a cada dia para nos atormentar - e, claro, a única fuga dessa vida miserável - digo, miserável, porque não temos nossa casa ou nossos apartamentos ou nossos carros ou nossas namoradas ou nosso sexo -, a última tentativa de fugir disso tudo era sair como nós saímos ou como meu falecido amigo saiu, mas nunca pensamos que essa fuga da vida metafórica pudesse se transformar em letras de óbito, ou seja, fugir da vida era absolutamente temporário até que nos dissessem ou provassem o contrário - mentira, se dissessem não acreditaríamos.
não sei se estou me fazendo entender
aquela vida, a noturna, é nossa outra vida, a vida que vale a pena e sobre a qual pensamos enquanto vivemos a vida secundária que envolve trabalhar estudar ou vadiar enquanto o sol bate em nossos rostos, esperando a lua aparecer para finalmente encontrar outras almas que compartilham nosso ponto de vista. talvez isso, talvez isso, mas provavelmente não.
provavelmente eu nunca vou entender
eu e você também não
porque ando pensando nisso o tempo todo
e o amor de amores e amigos me mantém por enquanto
mas quanto tempo nem eu nem você sabemos -
que deus - e eu nem acredito em deus - queira que eu não seja o próximo a ser pego na fernão dias.
e isso é tudo que quero dizer agora
sem amor nessas palavras
- o amor que me enche o coração e do qual eu poderia discorrer páginas e páginas -
sem amor nessas palavras,
só a morte,
sempre até que alguém diga ou prove o contrário - embora se dissessem não acreditaríamos.
amigo de bebedeira que foi atropelado bêbado 23 anos na rodovia fernão dias de madrugada seu corpo foi registrado no iml e alguns amigos iam reconhecer o cadáver mas conseguiram contatar o pai e o irmão antes disso e o pai descobriu a morte do filho no dia que o filho iria ser enterrado, mal deu tempo de passar no dito necrotério e reconhecer p'ra dizer que sim, aquele ali era aquilo mesmo, aquele ali tinha sido 23 anos atrás um espermatozóide em sua bolsa escrotal e isso lhe dava o direito pleno de ser a pessoa que deveria estar ali velando os olhos do morto em seu leito de morte fedido e congelado, mas não nós, nós não poderíamos porque nós afinal de contas só bebíamos com ele que morreu e depois de morto foi alvo de piadas sutis e amigáveis que todos nós usamos para esconder a dor - a dor terrível que se abateu sobre nós de forma tão terrível quanto inédita - nós que somos jovens e não conhecíamos a morte e de repente pudemos tocá-la numa tarde quente, a morte deitada num pedaço de madeira - caixão - completamente coberta de flores escondida no corpo daquele que uma semana atrás - p'ra não dizer alguns dias atrás - estava conosco procurando a galera para se afogar em garrafas de refrigerante barato com corote barato (um drink de dois litros que não custava mais que três ou quatro reais) e essa foi a razão de sua morte - numa dessas noites em que qualquer um de nós poderia estar e talvez realmente estivesse bêbado ele foi pego por um motorista desprevenido ou igualmente bêbado ou incauto ou completamente sem culpa e as rodas de seu carro - um ford ka, um toyota corolla, um chevrolet celta, um honda civic, nunca saberemos -, as rodas de seu carro passaram rudemente por sua perna, a perna que esteve ali o tempo todo junto com nossas pernas andando em busca de diversão, e, ocasionalmente - digo, absolutamente todas as vezes - álcool.
eu e todos nós andamos morrendo esses dias
morrendo o tempo todo para renascermos de novo, morrendo à noite quando botamos nossas cabeças nos travesseiros (de penas de ganso, de espuma sintética, de algodão, de papelão, de papel) e pensamos no dia que se foi e no dia que invariavelmente teremos que enfrentar no dia seguinte a despeito de toda essa encheção de saco que é trabalhar & suar & estudar, um dos dois ou os dois ao mesmo tempo, ou então arranjar briga com alguém ou discutir 0u encontrar alguém que guarda um rancor recíproco de você, ou quem sabe todas essas putarias em geral que a vida inventa a cada dia para nos atormentar - e, claro, a única fuga dessa vida miserável - digo, miserável, porque não temos nossa casa ou nossos apartamentos ou nossos carros ou nossas namoradas ou nosso sexo -, a última tentativa de fugir disso tudo era sair como nós saímos ou como meu falecido amigo saiu, mas nunca pensamos que essa fuga da vida metafórica pudesse se transformar em letras de óbito, ou seja, fugir da vida era absolutamente temporário até que nos dissessem ou provassem o contrário - mentira, se dissessem não acreditaríamos.
não sei se estou me fazendo entender
aquela vida, a noturna, é nossa outra vida, a vida que vale a pena e sobre a qual pensamos enquanto vivemos a vida secundária que envolve trabalhar estudar ou vadiar enquanto o sol bate em nossos rostos, esperando a lua aparecer para finalmente encontrar outras almas que compartilham nosso ponto de vista. talvez isso, talvez isso, mas provavelmente não.
provavelmente eu nunca vou entender
eu e você também não
porque ando pensando nisso o tempo todo
e o amor de amores e amigos me mantém por enquanto
mas quanto tempo nem eu nem você sabemos -
que deus - e eu nem acredito em deus - queira que eu não seja o próximo a ser pego na fernão dias.
e isso é tudo que quero dizer agora
sem amor nessas palavras
- o amor que me enche o coração e do qual eu poderia discorrer páginas e páginas -
sem amor nessas palavras,
só a morte,
sempre até que alguém diga ou prove o contrário - embora se dissessem não acreditaríamos.
3 Comentários:
um moinho?
a porra do mundo ta mais prum moedor de carne,
lindo texto irmão.
Eu penso que a vida faz parte de um ciclo interminável - então a morte é assim também.
Talvez a vida maltrate muito, seja um porre, mas, sabe. Há sempre escapatórias. Uma delas é o álcool. Talvez ele dê proteção, amor, as risadas de que todo ser humano precisa, o conforto que deixa essa vida mais aturável.
Mas o álcool é uma faca de dois gumes: ora se está feliz com seus amigos, cantando e gritando; ora se está sendo atropelado na Fernão Dias, indo p'ra um caixão e vendo todos olharem abismados com a tão sombria morte.
A verdade é que a morte não é sombria e que, seja lá quem for esse rapaz que eu não conheço, vai voltar aqui nesse mundo. Vai voltar e vai beber, vai sofrer, vai comer o pão que o diabo amassou. Mas, quem sabe, talvez um dia ele resolva encarar novos caminhos?
Daqui algum tempo, eu juro, tudo isso vai acabar. E não vai ser com a morte. Vai ser com um estado de felicidade da mais pura consciência, não motivada por nenhuma droga (lícita ou ilícita) e essa felicidade predominará toda a vida. Assim, nenhuma vida será mal vivida e ninguém precisará morrer atropelado na Fernão Dias p'ra fazer alguém refletir sobre essa vida.
Basta apenas encontrar o caminho para isso.
Acho o que o seu amigo,se existisse essa coisa de alma que fica por aí vagando entre o céu e o inferno(ou deve existir algo parecido),ficaria orgulhoso por ter motivado alguém a escrever um textos desses(queria algum bom elogio,mas nenhum seria honesto o bastante).
E eu nem sei porque estou aqui.
Impulso e falta.
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